domingo, 8 de janeiro de 2012

Analisando, Analgésicos e Anas

Era professora. Sonho realizado. E, como todos dessa área, Ana tinha dupla jornada para ajudar na renda familiar. Amava a profissão. Sempre sonhou em ser professora. Não uma professora qualquer, mais a melhor professora que poderia ser.
Quando adolescente foi costureira. Embora costurasse a ideia de um dia ser professora. Ensino médio: magistério, pedagogia, enfim a sala de aula.
Sua primeira turma era de um bairro carente. Carente, não só de roupas e comida, mais de amor. E, amor é o que nossa professora mais tinha pra dar.
O susto foi grande já que a prática é bem diferente do que a teoria prega. Numa manhã gelada viu uma criança chegar de bermuda e chinelos. Como poderia aplicar uma atividade vendo aquela criança tremer de frio? Isso a fez lembrar que seus filhos estavam em casa, agasalhados. Na escola, o melhor que poderia fazer era cobrir a criança com uma manta e emprestar roupas de um dos colegas de classe.
Outras "pegadinhas" faziam parte do cotidiano escolar. Em um dos projetos que realizou com as crianças, ficou sabendo que um cachorro comeu o livro que uma criança levou para ler com a família.
Pais preocupados com a educação dos filhos e pais que nem sabiam seu nome no decorrer do ano letivo, pois sequer vinham perguntar sobre o desenvolvimento de suas crianças.
Colegas de trabalho, ou melhor grandes amigas ela fez no percurso de sua carreira, Embora inimigas também, pois aquelas que não acreditavam e nem amavam a profissão, também têm aos montes. Uma vergonha, já que essas pessoas poderiam estar sendo felizes em outro lugar e não fazendo pessoas e principalmente crianças infelizes, com tanto mal humor.
Foi amada. ganhou flores, dentre elas muitas apanhadas no trajeto da casa da crianças até a escola. Em sua casa mantinha com zelo uma estante com miniaturas diversas, todas ganhas das crianças que atendia.
Chorava a cada despedida no final do ano letivo. Amava encontrar seus pequenos na feira, no supermercado. Ah, e como ela gostava de ser reconhecida depois de algum tempo sem vê-los.
Foram muitos momentos de alegria que marcaram a vida dessa professora. Acompanhar as crianças à primeira sessão de filme da vida delas foi um desses momentos. Vê-las com os olhos colados na tela, para quem assiste soa como algo normal, porém era fantástico, surpreendente.
Ana conheceu em suas andanças, uma auxiliar de serviços gerais que trabalhava na limpeza da escola. Uma senhora simples, sofrida, com pouco estudo e com uma alma sábia. Essa senhora tocava violão na igreja. Ana a convidou para tocar em uma reunião da escola. A valorização que Ana deu a essa senhora, valeu mais que os merecidos aplausos que ela recebeu.
Ana era assim. Uma pessoa que não fazia a diferença entre títulos e funções, adultos e crianças. Todos ela procurava atender e entender dentro de sua particularidade. Ela fez libras para se comunicar com uma criança que chegou a sua turma com significante perca auditiva. Encaminhava para pessoas que pudessem auxiliá-la em situações que ela não dominava, como na área de fonoaudiologia por exemplo.
muitos pais agradeciam a atenção que Ana destinava a seus filhos. Outros pais não, nem sequer respondiam seus apelos, dizendo que seus filhos não precisam de tal encaminhamento. O mais dolorido era que Ana acompanhava a vida escolar dessas crianças e percebia que suas suspeitas se confirmavam na 3ª ou na 4ª série quando as dificuldades de aprendizagem apareciam. Ai! Como doía. Mas Ana persistia e assim ajudou muitas crianças.
Ana, hoje aposentada, voltou a costurar, agora como passatempo. Continua costurando ideias. Ideias mais maduras. Sente falta da sala de aula e chora com saudade de seus pequenos. Mais sabe que sua missão continua nas professoras que começam a realizar o fazer pedagógico na sala de aula. Oportunidade que ela julga ser única, já que a educação infantil acontece apenas uma vez na vida das crianças.
Incentivar essa "novas" professoras com sua experiência, para que outras Anas possam ser encorajadas a realizar um trabalho de qualidade no atendimento de crianças, é o objetivo que Ana pretende atingir com suas intervenções.
Para ela, mais do que acreditar numa mudança na educação, é preciso que o educador acredite nele, na sua tarefa e na qualidade do seu trabalho. Para isso a formação continuada é algo que deve estar presente no cotidiano escolar constantemente, refletindo que um médico quando erra pode prejudicar um paciente enquanto que um professor pode prejudicar trinta ou mais crianças.
 
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